sexta-feira, 6 de junho de 2014

O lobo atrás da porta

Cinema de gênero com qualidade e Made in Brazil


Direção: Fernando Coimbra
Título Original: O lobo atrás da porta
Duração: 100 min
Idioma: Português BR
Lançamento: Jun/2014

Tudo começa com o sequestro de uma criança no subúrbio do Rio de Janeiro. Acompanhamos, junto com o delegado interpretado por Juliano Cazarré,  os depoimentos de cada um dos envolvidos. Tentamos reconhecer nos detalhes quem está realmente falando a verdade. Pouco a pouco uma história de desilusões, obsessões, violência e horror vai se configurando a partir de uma premissa aparentemente banal e tristemente comum.

A competência do diretor/roteirista Fernando Coimbra aparece principalmente na maneira sutil como ele consegue colocar para segundo plano o que seria o enredo principal, deixando-nos incertos se estamos vendo um policial, um suspense ou um romance. E sem qualquer artifício barato ou enganação, o clímax é do tipo que todo roteirista gostaria de escrever: imprevisível, mas ao mesmo tempo inevitável. 

Sua inevitabilidade é ainda mais forte se você conhecer de antemão a história real na qual o roteiro se baseia, porém elimina qualquer possibilidade de imprevisibilidade. Acredito que simplesmente formular a frase anterior já seja um spoiler e agradeço a mim mesmo por não ter lido resenhas antes de ver o filme, o que permitiu uma apreciação muito maior do enredo, que é revelado pouco a pouco em uma economia de informações que funciona positivamente para a construção dos personagens e da trama. 

A direção e a fotografia complementam muito bem o roteiro, mantendo desfocados os elementos que estão mais distantes do centro, lembrando-nos que o que estamos vendo são memórias ou simplesmente versões de uma história que está sendo contada por alguém. Enquadramentos estáticos e cenas mais longas e sem cortes permitem que os diálogos e o trabalho dos atores ganhem destaque e tenham muito mais peso (mas também fazem com que o filme pareça ter um ritmo mais lento).

Pode não parecer digno de nota, mas impressionou-me bastante: as cenas de sexo são bem coreografadas e realmente tem uma história pra contar. Longe de serem gratuitas, elas dizem mais dos personagens do que a maior parte dos diálogos. Difícil me recordar de um filme em que uma cena de sexo tenha sido tão bem aproveitada para o desenvolvimento de uma relação ou de uma personagem. Percebe-se que é um roteiro estudado, que foi editado à exaustão para conter apenas aquilo que fosse necessário. Não há uma mensagem clara a ser passada, mas sim o incômodo de quem quer enxergar o mundo em preto e branco e que não consegue aceitar os seus mais de cinquenta tons de cinza. 

E para coroar um trabalho tecnicamente bem realizado, o estreante (em longas) diretor/roteirista ainda conseguiu três atores para protagonizar a história que se entregam completamente a seu trabalho. Leandra Leal, Milhem Cortaz e Fabiula Nascimento estão todos soberbos, mas Leandra merece uma menção especial pela quantidade de camadas que ela adiciona a sua personagem. Frágil e perigosa ao mesmo tempo, vítima e algoz mescladas de forma inseparável: mesmo sem conhecermos o seu passado ou sua vida fora da história sendo contada, você consegue perceber que há um mundo interior vasto, ainda que doentio, naquela mulher.

O filme, no entanto, só não alcança a nota máxima, porque acho que o humor, que geralmente brota na figura do delegado, parece um pouco deslocado do restante do clima estabelecido para história (além de não ter achado o trabalho de Cazarré no mesmo nível dos outros atores). Esse fator diminui um pouco a minha admiração pelo filme, mas certamente é uma avaliação bem particular e subjetiva e acredito que não seja um problema para maioria dos expectadores.

Independente disso, e sem partir para o ufanismo, é ótimo ver filmes brasileiros que não sejam comédias escrachadas, biografias ou exposições regionalistas. Porque não temos mais filmes de suspense, de terror, de ficção científica ou de fantasia? Orçamento pode até ser uma desculpa para os dois últimos (pode, mas não deveria), mas no caso dos dois primeiros, pode-ser fazer suspense e terror com praticamente nada. O lobo atrás da porta está aí para mostrar que "sim, nós podemos". Parabéns a Fernando Coimbra e todos os envolvidos. Espero poder ver mais do trabalho de vocês.

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